26.4.05

O direito à preguiça

Olha só! Não sou só eu que estou de "saco cheio" de trabalhar...

Trabalho? Nem pensar
por Leneide Duarte-Plon

Tanto o capitalismo como as sociedades socialistas repousam sobre a sacralização do trabalho. E o nazismo não ficava atrás: “O trabalho liberta” era a inscrição gravada num arco na entrada do campo de concentração de Auschwitz. Todos os regimes políticos, sem exceção, fazem a apologia do trabalho. Como manter qualquer sociedade organizada e produtiva se o trabalho não for louvado e homens e mulheres não se sentirem valorizados pela labuta do dia-a-dia? “Attention: danger travail”, documentário de Pierre Carles, Stéphane Goxe e Christophe Coello, em exibição em Paris, é subversivo e provocador porque vai no sentido oposto desta pregação.

O trabalho é visto como um perigo por esses contestadores do mundo tal qual ele é organizado, no qual as tarefas, em sua maioria, são penosas, mal-remuneradas e causam, muitas vezes, prejuízo físico ao trabalhador. Por exemplo: um dos personagens do excelente documentário de 1h45m, operário de uma grande indústria automobilística, com o tempo perdeu os movimentos das mãos. O título do filme é um trocadilho com a frase “Attention: danger travaux” (“Atenção: perigo obras”). Com a palavra “travaux” no singular, “travail”, essa frase em francês se transforma em “Atenção: perigo trabalho”.

Mais desertores do que desempregados

O trabalho enobrece o homem ou é uma condenação? A Bíblia, no livro de “Gênesis”, conta a expulsão de Adão do paraíso e o castigo de Deus não é outro senão o anátema de “ganhar o pão com o suor do seu rosto”. Os escravagistas de todos os tempos conseguiram contornar a condenação de Deus e passaram a ganhar o pão com o suor do rosto... dos outros.

Na França atual, algumas pessoas resolveram parar de trabalhar para viver melhor, com mais tempo para si. Essa opção radical e subversiva, feita por pessoas de ambos os sexos e diversas faixas etárias, implica necessariamente outra: o abandono voluntário da sociedade de consumo. Eles sabem que, ao “parar de perder a vida para ganhá-la”, abrem mão do supérfluo e passam a viver com o estritamente necessário.

Esses “desertores do mercado do trabalho”, como os chama Pierre Carles, têm tempo para a militância, leituras, sestas, museus e descobrem o prazer de uma vida que não conheciam. Alguns desses homens e mulheres, de várias gerações, contam como o trabalho pode ser fonte de grande sofrimento físico e mental e como um desempregado voluntário é mais feliz quando resolve dizer “não” ao mundo do trabalho. “Preferimos chamá-los desertores felizes em vez de desempregados felizes. Eles são menos infelizes por viverem com menos dinheiro do que tendo um emprego mal remunerado, pouco gratificante, muitas vezes nocivo à saúde” – justifica Pierre Carles.

Carles é também autor do documentário "La Sociologie est un sport de combat", um perfil do sociólogo Pierre Bourdieu, especialista no estudo dos mecanismos de dominação, falecido em 2002, em Paris. O documentário sobre Bourdieu - que influenciou, sem dúvida, a geração de Pierre Carles, Christophe Coello e Stéphane Goxe - voltou às telas quando foi lançado “Attention: danger travail” e pode ser visto em horários especiais no cinema MK2 Beaubourg.

Os entrevistados de “Attention...” foram demitidos, tiveram uma longa doença ou experiências muito negativas no mundo do trabalho e decidem não mais trabalhar. Um deles nunca entrou nesse mundo e é um dos que melhor articulam o discurso anti-trabalho. Eles todos se recusam a ser soldados da guerra econômica pela produtividade, mal pagos e asfixiados pelo medo de perder o emprego. Chegaram a essa convicção através de uma reflexão sofisticada e têm uma argumentação consistente e bem articulada para justificar a recusa a “trabalhar para viver e viver para consumir”.

O direito à preguiça

Os cineastas constroem o documentário sem narrativa em off, apenas com depoimentos intercalados de trechos de anúncios antigos ou de documentários que mostram como são treinados os entregadores de pizza da rede Domino’s ou as vendedoras de telemarketing. Essas pobres moças, enquanto tentam convencer os clientes ao telefone, são controladas por um homem que as avalia minuto a minuto. O chicote moderno. Sem nenhum texto que dirija o espectador, o filme deixa-o livre para julgar por si mesmo as situações e idéias que veicula.

Alguns dos entrevistados contam que aproveitaram a chance de ser demitidos para decidir viver do RMI (Revenu minimum d’insertion), um salário mínimo pago a todo francês depois que acaba a vigência do seguro-desemprego. O RMI tem um piso de 425 euros, mas aumenta se a pessoa tem um ou mais dependentes. Um casal com duas crianças, por exemplo, ganha 893 euros. Estrangeiros residentes na França também podem ter direito ao RMI, em alguns casos. A França tem hoje 1.061.000 pessoas que recebem o RMI.

Outros nunca entraram no mundo do trabalho assalariado por decisão pessoal fundada em experiências vividas com os pais, infelizes e explorados, verdadeiros escravos da fábrica. “Estou interessado nas novas formas de exploração e de trabalho repetitivo das grandes fábricas, além do trabalho do setor terciário do início dos anos 90. Por isso, fiz o “Domino’s Pizza”, do qual mostro alguns trechos no “Attention: danger travail” - conta Pierre Carles.

O sociólogo Loïc Wacquant, que foi aluno do Bourdieu e hoje é professor de Sociologia em Berkeley, na Califórnia, aparece no documentário dando uma conferência sobre como o trabalhador está sendo esmagado pela globalização e pelo capitalismo triunfante, com a flexibilização das leis trabalhistas e a institucionalização de relações de trabalho precárias em muitos países, o que faz de cada trabalhador um desempregado em potencial.

Provocadores, os cineastas fizeram pequenas e hilariantes entrevistas com o presidente do Medef (a federação do patronato francês) e com políticos socialistas e de direita que estavam na reunião anual do patronato. Inquiridos por Carles na saída do encontro, eles condenam como um absurdo total, sem exceção, essa idéia de que as pessoas possam querer deixar de trabalhar. A cara de espanto do barão de Seillière, presidente do Medef, é cômica: ele ouve a pergunta do entrevistador, que quer saber o que ele pensa dessa tendência de muitas pessoas recusarem o mundo do trabalho, e fica alguns segundos olhando estupefato para o cineasta. O corte rápido tem o timing perfeito. O discurso do primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin, fazendo a apologia do trabalho no mesmo encontro, mostra o quanto a defesa do direito à preguiça é subversiva, mesmo na França de hoje.

Seriam, então, os novos desertores do mundo do trabalho um perigo para o capitalismo? Carles pensa que não: “Na medida em que são atualmente uma minoria, eles não representam um verdadeiro perigo para o capitalismo. Ainda é difícil deixar de ser vítima da ideologia do trabalho nas nossas sociedades.” Ele se inclui, é claro, entre os que não são vítimas de sua atividade profissional, tanto que a exercen longe do mundo do trabalho assalariado. Atualmente, Carles está terminando a montagem de um novo documentário “Volem rien foutre al païs”. Como o título mistura o francês com o dialeto occitano, fica quase intraduzível, mas fala também de não fazer nada, isto é, do velho “Direito à preguiça” de que fala o clássico livro de Paul Lafargue. Lafargue escreveu mais de uma dezena de livros, mas foi com esse livrinho de 1880 que se tornou conhecido mundialmente, além do fato de ter sido genro de Karl Marx.

A lista dos intelectuais que dão voz aos que contestam o trabalho na França atual inclui o escritor Philippe Godard, que escreveu o livro “Contre le Travail” (Contra o trabalho) e promove encontros com os leitores que, com ele, quiserem entrar nessa cruzada. Por acreditar que, assim como o homem não pode deixar de trabalhar, não pode também deixar de criticar o trabalho, Godard prega: “Se o homem não sabe fazer outra coisa a não ser trabalhar ou recompor forças para começar um novo ciclo de trabalho, é preciso constatar que nossa evolução reduziu o ser humano a um ser cujo cérebro e mãos só servem a um fim - o trabalho.”

E isso lhe parece muito redutor – com o que parecem concordar os muitos espectadores que, em Paris, vêem diariamente o documentário “Attention: danger travail”.

Catei isto lá do no mínimo.

17.4.05

Mi Cumpleaños

Conseguir tempo para postar aqui está bem difícil. Tenho trabalhado demais.

Meu aniversário está chegando e como eu acho que uns e outros quererão comprar um presentinho para o missivista, pensei em simplificar a tarefa da escolha do regalo, segue abaixo uma lista de livros que estou interessado em ler. A lista não está em ordem de preferência, qualquer um deles será muito bem vindo. Além destes gosto de ler biografias. Obviamente que, além de livros, uma boa cachacinha ou um delicioso (mas caro) Jack Daniel's também serão bem vindos.


A Consciencia de Zeno

Obras Completas de Jorge Luiz Borges volume II

Obras Completas de Jorge Luiz Borges volume III

Obras Completas de Jorge Luiz Borges volume IV

Escada dos fundos da filosofia:

O Estrangeiro

A Vida Sexual dos Ditadores

Sem Tesao nao ha solução

A Ditadura Encurralada

Cão Come Cão

1.4.05

Partir... Caminhar...

Partir é, antes de tudo, sair de si. Romper a crosta de egoísmo que tende a aprisionar-nos no próprio eu.

Partir é não rodar, permanentemente, em torno de si, numa atitude de quem na prática, se constitui centro do Mundo e da Vida.

Partir é não rodar apenas em volta dos problemas das instituições a que pertencemos. Por mais importante que elas sejam, maior é a humanidade, a quem nos cabe servir.

Partir, mais do que devorar estradas, cruzar mares ou atingir velocidade supersônica, é abrir-se aos outros, descobri-los, ir-lhes ao encontro.

Abrir-se a idéias, inclusive contrarias às próprias, demonstrar fôlego de bom caminheiro. Feliz de quem entende e vive este pensamento “Se discordas de mim, tu me enriqueces”.

Ter ao próprio lado quem só sabe dizer amem, quem concorda sempre de antemão e incondicionalmente, não é ter um companheiro mas sim uma sombra de si mesmo. Desde que a discordância não seja sistemática e proposital, que seja fruto de visão diferente a partir de ângulos novos, importa de fato em enriquecimento.

É possível caminhar sozinho. Mas o bom viajante sabe que a grande caminhada é a Vida e esta supõe companheiros. Companheiro, etimologicamente, é quem come o mesmo pão.

Feliz de quem se sente em perene caminhada e de quem vê no próximo um eventual e desejável companheiro.

O bom caminheiro preocupa-se com os companheiros desencorajados, sem animo, sem esperança. Adivinha o instante em que se acham a palmo de desespero. Apanha-os onde se encontram. Deixa que desabafem, e, com inteligência, com habilidade e, sobretudo, com amor, leva-os a recobrar o animo e voltar a ter gosto pela caminhada.

Marchar por marchar não é ainda verdadeiramente caminhar.

Caminhar é ir em busca de metas, é prever um fim, uma chegada, um desembarque.

Mas há caminhada e caminhada.

Para as Minorias Abraamicas, partir, caminhar, significa mover-se e ajudar muitos outros a moverem-se no sentido de tudo fazer por um mundo mais justo e mais humano.

Dom Helder Câmara